Boletim Agrofinanças | nº 24 |agosto | 2009

 

Uma boa safra diante das circunstâncias

Quem já é antigo no agronegócio, está acostumado com a sensação de que cada safra apresenta uma história diferente em cada região, sendo difícil formar co-relações para determinar tendências comportamentais dos produtores, dos mercados, da produtividade, etc.

No entanto, ninguém pode negar que algumas mudanças no cenário macroeconômico e tecnológico podem e devem criar uma nova ordem para algumas regiões, sobretudo no que tange à matriz de produção e às formas de financiar a safra. Nesse ano agrícola, sem dúvida, as regiões mais afetadas serão as ocupadas pela cultura do algodão, a saber, Mato Grosso e Bahia. A cultura vem sofrendo com a volatilidade das commodities e custos de forma evidente, já que se trata de cultura mais demandante de recurso (cash intensive) dentre os cultivos anuais. É uma cultura de “gente grande” que, além de dinheiro, exige um perfil tecnológico sofisticado por parte do agricultor. Essa premissa implica também em concentração da cultura no patamar dos produtores maiores e grupos econômicos financeiramente mais estruturados.  

Analogamente às graduações acadêmicas, a cotonicultura poderia ser associada a um mestrado em produção agrícola. Quem chega lá, e dela sobrevive, pode ser considerado um mestre na atividade. Hoje, a produção do algodão no país está nas mãos de pouco mais de 500 produtores rurais, normalmente os de grande porte, concentrados no Mato Grosso e na Bahia. Tanto a tecnologia adotada para produzir, como a captação de recursos e a comercialização da produção são atividades complexas para essa cultura, que exigem uma formação que muitos conquistaram com o tempo, na base de erros e acertos.
 

Em outra vertente, as associações e organizações institucionais dos produtores de algodão foram efetivas em promover a cultura de negócio e a qualidade da nossa fibra pelo globo. Foi eficiente em atrair investidores nos diferentes segmentos da cadeia, inspeção e classificação, logística, exportação, financiamento, beneficiamento, máquinas, etc. Essas associações assumiram o papel do Estado ao financiar ações jurídicas em fóruns internacionais para questionar o protecionismo americano e ganharam. Contudo, sem discutir o mérito dessa questão de política internacional, a omissão da diplomacia brasileira em levar adiante essas vitórias na forma de retaliações comerciais acabou por construir uma dívida moral entre o Estado brasileiro e essa classe produtora, que a cada dia sofre mais pressão. A medida dessa pressão se altera de acordo com o “humor” desse mercado, determinado pelos seus resultados operacionais. No ano passado, o setor necessitou de apoio do governo na liberação de recursos para contingenciar as perdas de rentabilidade em função da crise e da alta dos custos motivada basicamente pelos fertilizantes. O resultado negativo associado às dificuldades de se captar recursos para áreas extensas de algodão culminaram em uma redução de área, sobretudo no Mato Grosso, onde o programa PEPRO 2008 não foi suficiente para cobrir as perdas, já que a baixa produtividade consistiu em fator agravante. Na Bahia, por outro lado, diante da colheita de uma safra muito boa, o programa atendeu satisfatoriamente, retirando boa parte dos produtores do vermelho e colocando-os acima do breakeven, como mostra o quadro abaixo:

QUADRO DE RENTABILIDADE DO ALGODÃO 2007/08 - OESTE DA BAHIA
   
Itens de Anásilse Safra 2007/08  
Preço médio de venda (R$/@  pluma) 38,36
Produtividade (@ pluma/ha) 120,05
Custo Operacional (R$/ha) 3.687,75
Lucro Operacional (R$/ha) 917,37
Margem de lucro sobre custo (%) 24,88

Para o Safra 2008/09, o governo Lula vem apresentando novamente essa solução paliativa na forma do PEPRO. Mas, pelo que foi anunciado no último dia 14/07, a situação desse ano deve ser invertida. pois o PEPRO deverá ser suficiente para tapar o buraco no resultado operacional dos produtores do MT, mas não será suficiente para resolver o problema dos cotonicultores de Luis Eduardo Magalhães/BA que, diante das chuvas no período de florada da cultura, estão consolidando uma produtividade das piores da história, variando de 180 a 250@ de caroço por ha, que representa entre 20 a 30% a menos que na safra passada. O quadro abaixo mostra a insuficiência do PEPRO para cobrir o estrago provocado na Bahia.

QUADRO DE RENTABILIDADE DO ALGODÃO 2008/09 - OESTE DA BAHIA

Itens de Análise SEM PEPRO   COM PEPRO  
Preço Médio de Venda (R$/@ pluma) 40,65 45,88
Produtividade (@ pluma/ha) 92,75 92,75
Receita (R$/ha) 3.770,29 4.254,91
Custo Operacional (R$/ha) 4.380,28 4.380,28
Lucro Líquido Operacional (R$/ha) -609,99 -125,37
Margem de Lucro sobre Receita (%) -16,18 % -2,95 %
Margem de Lucro sobre Custo (%) -13,93 % -2,86 %
Break even price (R$/@) 47,23 47,23

NOTA: Para essa análise, considera-se um produtor médio, na faixa de 2.300 ha no município de Luis Eduardo Magalhães/BA, que, além do algodão, cultiva a soja e o milho na Safra Verão. É importante ressaltar que o produtor comercializou antecipadamente grande parte de sua safra em 2008, através de operações cujos preços negociados variaram entre U$ 0,69 e U$ 0,73/l.p.

Dados obtidos de modelagens do serviço Climasecurity www.climasecurity.com.br

Ao longo dos últimos anos, a Bahia tem se destacado na sustentabilidade de área e tecnologia da cultura do algodão, que vinha apresentando melhores resultados se comparado com o MT. Nessa safra, no entanto, o ajuste veio com força, haja vista que o MT está colhendo muito bem, apesar da redução do nível de tecnologia e de área no ano passado. Esse efeito pode ser traduzido em números, pois é provável que a redução de área para safra de algodão 2009/10 seja, dessa vez, maior na Bahia que no MT. 

Como muitos produtores estão sendo obrigados a “rolar” dívidas com fornecedores de insumos e bancos para o próximo ano, é provável que o que foi vivido pelo MT na Safra 2008/09 seja uma projeção do que ocorrerá na Bahia na Safra 2009/10.

Ao contrário da soja, uma quebra severa no algodão cria efeitos de prazo mais longo, sobretudo quando encontramos financiadores com aversão a risco. O viés comercial dos credores perde força nessas circunstâncias, o que culmina em uma elevação no custo do dinheiro e no contingenciamento de linhas de renegociação de financiamento para aqueles casos mais críticos. Essa talvez seja uma oportunidade do Estado brasileiro se redimir da omissão perante o lobby americano para construir uma solução mais consistente para a cotonicultura e, em particular, para a região de Luis Eduardo Magalhães/BA, altamente dependente do sucesso dessa cultura para manter o equilíbrio sócioeconômico do oeste da Bahia.

Alguns sinais já estão sendo emitidos: o primeiro foi a revisão da classificação de risco para os produtores endividados (anunciada pelo Banco Central do Brasil no dia 30/06, através da resolução 3.749, que poderá beneficiar mais de 90 mil agricultores que renegociaram as dívidas agrícolas, dentre eles alguns grandes produtores de algodão e até mesmo alguns que deixaram a cultura por inviabilidade de crédito). Segundo dados do BC, o total referente a dívidas nos piores níveis de risco -"D" a "H" equivale a R$ 14,3 bilhões. A nova resolução desobrigaria os bancos de "arrastar" toda a dívida para níveis de risco maiores. Apenas a parcela vencida da dívida seria reclassificada para baixo.

A segunda iniciativa por parte do governo Lula se refere ao direcionamento de R$ 7,0 Bilhões para a constituição de um Fundo Garantidor do Crédito Rural, o que diminuiria a percepção de risco para o setor e, dessa forma, beneficiaria os cotonicultores adimplentes.

Apesar das iniciativas genéricas, o Estado brasileiro, até esse momento, não apresentou nenhuma proposta para reverter o quadro de descapitalização pelo qual passa essa cadeia. Aliás, não apresentou nada para os setores de cana e café, que também passam por uma fase difícil, não conjuntural, mas estrutural.

A soja escapou por pouco, mas o risco do produtor aumentou. Na linha mais positiva dessa safra, que em dezembro (com CBOT a 850 cents/bu e o câmbio a 2,42 R$/US$) apresentava uma projeção assombrosa para os produtores que financiaram em US$ no MT e Norte do MS, com resultados operacionais projetados na casa dos -15 ó -18%. De lá para cá, tivemos uma franca recuperação na liquidez e no humor, apesar das recentes quedas. É lógico que a incerteza impera no Cerrado, na medida em que essa safra vai decolar com pouco hedging. Até o momento menos de 30% da nova safra do MT, GO e Norte do MS foi negociada (pré-fixada). É uma situação inusitada nos últimos 10 anos e deixa os produtores na zona do desconforto, sobretudo depois das recentes quedas que deixam a impressão de que a melhor oportunidade já foi perdida. Já em relação à safra colhida para o produtor do Cerrado, a queda nos preços nos últimos dias afeta relativamente pouco, já os produtores da região apresentam baixo estoque. Para eles, o problema agora é gerar liquidez no milho. Para os produtores do Sul, sobretudo do PR e Sul do MS, a queda é indigesta já que além das perdas de produtividade, as novas cotações quase zeram a rentabilidade da safra verão que, associada a uma safrinha fraca, praticamente eliminam a possibilidade de fechar uma boa rentabilidade na Safra 08/09. A notícia boa em destaque é a capitalização dos produtores de Soja e Milho na faixa compreendida entre o Triângulo Mineiro, passando pelo Sudoeste Goiano, até o Norte do MT. Gradualmente, os produtores dessas áreas vão formando um caixa para buscar uma relativa independência financeira, podendo atingir nessa safra um auto financiamento que varia entre 20ó50% para a maioria dos produtores. Esse fato, a despeito das restrições de crédito impostas pela “crise”, vem limitando a redução de área e tecnologia nessa importante região produtora do país.  

As análises apresentadas acima são extraídas dos relatórios do servico Climasecurity, que analisa produtores em 12 regiões do país com atualização semanal de todas as suas contas, ações comerciais, padrão de tecnologia adotado e o efeito clima sobre os seus resultados. Para mais detalhes acesse www.climasecurity.com.br
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Troca & Securitização

O mercado de troca no Cerrado segue limitado aos canais de distribuição e a algumas empresas da defensivos que lançaram campanhas com pouca efetividade. Uma operação com troca de milho disponível no MT lançada em abril/maio foi a que teve melhor aceitação, principalmente no oeste do MT. Do lado do produtor, existe o interesse em trocar milho disponível que está sobrando no Centro-Oeste. Outra demanda refere-se à soja 2010, pois a sensação de entrar uma safra sem hedge é indigesta para a maioria dos produtores. Nos últimos oito anos, a troca sempre dominou o ambiente no cerrado, principalmente para o nível de produtor entre 500 a 2.500 ha. Tal fato colocou esses produtores em situação até mais favorável que os grandes produtores que, em sua maioria, arriscaram mais em operações abertas com captações em US$. No período entre 2004 e 2009, quem operou os insumos na modalidade de troca teve um resultado acumulado mais favorável do que aqueles que apostaram na venda de 100% no mercado disponível. É claro que outros fatores influenciam o resultado, já que os maiores produtores se beneficiam do ganho de escala mas, por outro lado, perdem na produtividade que via de regra é melhor nos menores, pois ”quem engorda o porco é o olho do dono”. Nessa safra, porém, a troca está disponível apenas para alguns desse grupo. Aqueles que se acostumaram com ela, mas estão tendo dificuldade em operá-la em uma paridade (insumo X soja) razoável, estão sentindo desconforto. Em parte, isso explica o porquê o segmento de defensivos está um pouco atrás em relação a anos anteriores. Para o setor de sementes, é possível que, para mover a pilha de sementes que se acumula nas UBS`s, uma iniciativa de troca deverá ser tomada, provavelmente em relação ao produto físico na mão do produtor, depósito em armazéns, etc. Isso pode minimizar o desânimo com a cultura para o verão. Na safrinha, a troca também poderá dar o tom do mercado, já que até lá não teremos “digerido” as 9 milhões de toneladas em estoque projetado para a passagem do ano. “Haja frango...”     
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Crédito & Recebimento


Apesar da verificação de alguns problemas climáticos no período entre abril e junho, como falta de chuvas na safrinha para o sul do MS e norte do PR e excesso de água sobre o algodão do oeste baiano, os vencimentos de agosto e setembro devem ocorrer sem grandes problemas, com casos pontuais nessas regiões para alguns tipos de credores menos favorecidos. No mais, o quadro geral de recebimentos é favorável, podendo ocorrer alguns atrasos normais para as regiões onde o estoque de milho e trigo na mão dos produtores ainda está elevado. Como a liquidez dessas culturas está meio comprometida pelo posicionamento conservador dos compradores (que compram da "mão para a boca"), é normal o produtor postergar pagamentos, aguardando oportunidade de venda em condições minimamente favoráveis.

Do lado do crédito, mais recursos dos bancos oficiais irrigam várias regiões, com o pré-custeio minimizando o retardo nas vendas de adubo. Não fosse o posicionamento desses bancos, a situação da venda do fertilizante estaria crítica, com potenciais problemas logísticos para o terceiro trimestre. O segmento de defensivos, por sua vez, está mais lento nesse ano em relação aos anos anteriores, com vendas em US$ no MT em substituição às campanhas de troca menos freqüentes nesse ano. Os vencimentos com prazo safra ainda são a regra no MT e BA, o que evidencia que a “crise” não afetou a maioria dos fornecedores desse setor. O mercado de semente de milho, por outro lado, que nadou de braçada nos últimos anos na venda antecipada e à vista, agora enfrenta o desinteresse dos produtores, que indicam uma redução de área. Nesse caso, oferecer prazo safra poderia ser uma solução comercial, mas com efeito limitado. Na safrinha, é bem provável que a briga pelo mercado, associada a atraso na venda da soja 2010, obrigue as empresas a usar o crédito (prazo safrinha) como ferramenta de diferenciação.
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Dinâmica dos Preços


   Fonte: Cepea/Esalq


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Câmbio


                                     Fonte: Bacen

Em julho/09, o dólar comercial apresentou desvalorização de 2,74%, com cotação média de R$ 1,93/dólar. Esse mês apresentou a menor cotação média mensal da moeda norte-americana desde setembro/08. A valorização do Real vem sido provocada pela grande entrada de capitais externos no Brasil, sobretudo sob a forma de investimento direito e em carteira. Mesmo com as recentes e constantes reduções na taxa SELIC (de 13,75% em jan/09 para 8,75% a.a. em jul/09), o Brasil, bem como outros países emergentes, como China e Índia, vem recebendo grande parcela de capital internacional. Prova disso é a valorização do índice BOVESPA em 2009, que, após a forte queda em 2008 (de 62 para 37 mil pontos), se recuperou 35% nesse ano (hoje, no patamar de 54 mil pontos).

No cenário internacional, apesar da retração de 1,0% da economia dos EUA no segundo trimestre de 2009, o mercado imobiliário apresenta sinais de recuperação, com aumento das vendas de casas em junho (11% em relação a maio). No entanto, indicadores relacionados ao nível de emprego da economia e da atividade industrial, especialmente do setor automobilístico, ainda são negativos (a taxa de desemprego da economia é 9,5%). Dessa forma, as expectativas de crescimento mundial estão baseadas no crescimento da economia chinesa, que acelerou suas exportações de commodities no primeiro semestre de 2009, sustentando o preço dos grãos e dos metais nesse período.

No cenário interno, segundo as expectativas reveladas através da divulgação do Boletim Focus do Banco Central, a perspectiva é de que a cotação cambial ao final de 2009 seja de R$ 1,90/dólar. Em função da desaceleração no crescimento do PIB do Brasil, verifica-se baixa tendência inflacionária, o que não justificaria a necessidade de um Real tão valorizado do ponto da manutenção de um equilíbrio macroeconômico. No entanto, ao longo do segundo semestre de 2009 e em 2010, há possibilidades de que o câmbio oscile entre R$ 1,7 e R$ 2,0/dólar, já que, num contexto de crise mundial, o Brasil tende a atrair grande volume de capitais, o que pressiona o mercado cambial no sentido de uma valorização do Real mais acentuada do que a que está sendo verificada no momento.
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Viabilidade & Liquidez




Como era de se esperar, a liquidez corrente da maior parte dos produtores rurais no segmento grãos diminui no segundo semestre. Esse ano, em particular, o quadro está um pouco pior em função dos seguintes fatores: ritmo lento na comercialização de milho e trigo, a quebra de safra no sul do MS e problemas com o algodão na Bahia. A capacidade de converter o estoque em R$ ficou comprometida diante desse quadro. Por outro lado, o recurso dos bancos oficiais, sobretudo do pré-custeio, veio com certa antecipação e valores mais elevados em muitas praças, o que minimizou esse efeito.




 

Os programas de PEPRO para milho e algodão estão salvando a safra em muitas regiões e têm corrigido algumas distorções ocasionadas pela menor liquidez de algumas culturas. Diante das circunstâncias de uma safra construída sobre ambiente de crise e forte volatilidade, podemos dizer que tivemos uma Safra 2008/09 normal sob o ponto de vista de viabilidade econômica. Por enquanto, é o que se espera também da próxima safra, apesar da falta de hedging criar desconforto no campo. A atividade agrícola, por ser essencial para a economia e a estabilidade social, sofreu menos com os desajustes dos mercados globais, mas não podemos nos precipitar em afirmar que esse mercado está isolado da crise. Talvez não vejamos uma queda nas commodities agrícolas no mercado internacional, mas a trajetória esperada para o US$ é preocupante. Temos que ter a compensação nas bolsas internacionais, sobretudo em CBOT.  Por enquanto, os sinais são positivos, mas temos que aguardar a finalização da safra nos EUA para termos um parâmetro mais claro da viabilidade para a soja e milho na América do Sul.  O milho no verão, sem dúvida,  perderá área pela sua inviabilidade na maioria das regiões, mas esse efeito talvez não ocorra na safrinha, em função da opção técnica dos produtores em antecipar a colheita da soja, visando “fugir”da ferrugem e do mofo branco. Nesse sentido, a questão da viabilidade do milho safrinha cede espaço para a questão sanitária, que é mais importante. Independentemente do preço do milho em novembro e dezembro/09, podemos esperar uma safrinha com a mesma intenção de plantio e tecnologia da que estamos colhendo agora.
 
Para melhor interpretação dos índices, consulte o seguinte link:
http://www.agrosecurity.com.br/conteudo.php?id=11
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Jurídico

Armazéns Agropecuários: emissão de Certificado de Depósito Agropecuário (CDA) e Warrant Agropecuário (WA)

Diante do atual cenário econômico de restrição ao crédito, o financiamento do agronegócio passa por estruturas sólidas representativas de produtos agropecuários, que transmitam às instituições financeiras maior liquidez e força na recuperação do crédito. Nesse sentido, os bancos privados vêm buscando lastros sólidos para financiamentos de menor prazo, bem como, instituições públicas como o BNDES reservam linhas especiais de crédito nessa sistemática, a exemplo do novo programa na estocagem de álcool combustível com garantia em produto. Apontamos aqui, as formalidades para a emissão de CDA/WA, entre as quais é exigido o registro do armazém agropecuário no novo regime previsto na lei.

Apesar da Lei 11.076/2004 estabelecer que os armazéns de produtos agropecuários que não detenham a certificação acima mencionada emitam CDA/WA até o dia 31/12/ 2009, na prática o que se verifica é que a atividade de armazém agropecuário ainda consiste em grande novidade, quer seja enfrentando dificuldades para obter informações, o que gera o atraso no registro dos atos societários, quer seja diante da falta de regulamentação para certificação dos armazéns. Desta forma, é importante que todas as empresas de armazenagem se enquadrem nessa regulação e assim se organizem no cumprimento de todos os requisitos técnicos e legais aplicáveis, a fim de melhorar os ratings das avaliações de crédito/risco feitas pelas instituições financeiras financiadoras do agronegócio.

A legislação brasileira há muito regula a armazenagem de produtos, assim, através do Decreto 1.102, de 21/11/1903, foram regulados os direitos e obrigações para sociedades de armazéns gerais. Tais armazéns têm por objeto a guarda e a conservação de mercadorias, bem como a emissão de títulos próprios que as representam. Os armazéns podem emitir títulos negociáveis de incomparável segurança na transferência direta dos papéis em operações de investimento ou ainda na garantia d e operações financeiras.

Com a edição da Lei 8.171, de 17/01/1991, Lei 9.973, de 20/05/2000, Decreto 3.855, de 3/07/2001, Lei 11.076, de 30/12/2004, e a Lei 11.524, de 24/09/2007, criou-se um regime específico para regular o sistema de armazenagem de produtos agropecuários, bem como seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico, próprios ou de terceiros. Antes da Lei 11.076/2004, os produtos agropecuários eram depositados em armazéns gerais e as sociedades depositantes poderiam emitir os títulos conhecidos como Conhecimento de Depósito e do Warrant, previstos no Decreto 1.102/1903. Com a criação do Sistema de Armazenagem de Produtos Agropecuários, os armazéns gerais que estocam produtos de origem agrícola deverão se adaptar à nova regulamentação para continuar armazenando tais produtos. Já os armazéns mistos também deverão se adaptar para que os produtos agropecuários possam continuar sendo lá estocados. Ou seja, armazéns que tenham interesse em emitir Ce rtificado de Depósito Agropecuário ("CDA") e Warrant Agropecuário ("WA") deverão se adaptar à nova regra, sob pena de não gerarem seus efeitos desejados, já que as instituições financeiras tendem a se tornar mais rígidas quando da aprovação de operações de financiamento.

Temos percebido a dificuldade dos produtores rurais e das autoridades responsáveis para chegarem a um consenso sobre os procedimentos necessários a tal regulamentação. Ainda que a Lei 11.076/2004 e as demais dispositivos estabeleçam regras para os armazéns agropecuários, tais disposições deixam a desejar quando falamos da parte prática. De qualquer forma, antes do procedimento de certificação pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento ("MAPA"), as seguintes etapas deverão ser cumpridas:

1º) Arquivamento, na Junta Comercial da localidade do armazém, dos documentos societários (contrato social contendo cláusula de objeto específica para a prestação de guarda e conservação de produ tos agropecuários, termo de nomeação e aceitação de fiel depositário e regulamento interno do armazém agropecuário). As diversas Juntas Comerciais não uniformizaram seus entendimentos, bem como padronizaram as questões envolvendo o registro de armazéns agropecuários.

2º) Cumprimento de requisitos MAPA. Existem requisitos técnicos mínimos para a viabilização da prestação de serviços de armazenagem agropecuária e emissão de CDA/WA. Apesar da lei não especificar quais os requisitos necessários, a Instrução Normativa 41/2007, do MAPA, sinalizou que, para certificar tais armazéns como sendo agropecuários, alguns requisitos, relacionados tanto às pessoas jurídicas armazenadoras quanto às próprias instalações do armazém, deverão ser atendidos. Ainda, com base no artigo 45 da Lei 11.076/2004, fica autorizada a emissão do CDA/WA até 31/12/2009 por armazéns que não detenham a certificação de armazéns agropecuários, mas que atendam a tais requisitos mínimos. Neste sentido també m legisla o MAPA, na Instrução Normativa 52/2008, que prorrogou prazo de vigência do sistema nacional de certificação de unidades armazenadoras para 31/12/2009.

3º) Registro das unidades armazenadoras junto à Companhia Nacional de Abastecimento ("CONAB"). Após vistoriar o armazém, os técnicos da CONAB emitirão um boletim informando que a unidade está apta para exercer tais atividades. Caso seja concluído que o armazém é apto, a CONAB (secção Brasília) emitirá um certificado de unidade armazenadora, com o número de cadastro de armazém.

Apesar de toda a regulamentação trazida pelo Decreto 3.855/2001, ainda não podemos dizer que se trata da certificação mencionada no artigo 2º da Lei 9.973/2000, ainda não regulada pelo governo. Até que nova regulamentação entre em vigor, entende-se que o armazém estará apto para a emissão do CDA/WA mediante cumprimento das etapas acima mencionadas.

Autoria: Daniela Mastrorocco e Patrícia Eid do Escritório Buranello Passos Advogados
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Nota: A Agrosecurity não se responsabiliza pelo uso indevido do conteúdo do Boletim para efeito de definição de limite de créditos individuais ou da exposição financeira regional. Por se tratar de uma avaliação do quadro geral (médio) dos aspectos econômicos e financeiros, pode haver divergências significativas da situação real de liquidez e viabilidade de um produtor rural em particular
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 Editorial
   
Texto:
Fernando Pimentel   Câmbio: Felipe Prince     Edição: Luis Eduardo Rebolo Lapo

 

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